Antropóloga americana passou 14 anos gravando documentário.
Trabalho analisa impactos em países como Tailândia, Butão, Mali e Bolívia.
Cena do documentário de Pegi Vail (Foto: Gringo Trails/Divulgação)
Uma praia paradisíaca na Tailândia que se transformou em uma pista de
dança para festas de jovens estrangeiros regadas a drogas e álcool. Um
vilarejo perdido na Amazônia boliviana que ficou famoso após um
israelense se perder na selva e hoje recebe hordas de mochileiros em
busca de uma aventura parecida. Uma turista que vai a um vilarejo do
Mali com uma visão romântica da África dos filmes de Hollywood e se
surpreende ao deparar-se com a realidade extremamente pobre do lugar.Por meio de exemplos práticos como esses, um novo documentário americano lança luz sobre um tema que poucas vezes passa na cabeça de quem viaja de férias: o impacto nem sempre positivo que o turismo provoca no meio ambiente, na economia e na cultura de localidades no mundo todo, especialmente em países pobres e emergentes.
Pegi Vail (Foto: Pegi Vail/Arquivo pessoal)
Gravado ao longo de 14 anos pela antropóloga Pegi Vail, o filme “Gringo Trails” acompanha, por meio de imagens in loco
e entrevistas com guias, turistas e escritores especializados em
viagens, as transformações que a chegada em massa de turistas provocam
em lugarejos de países como Tailândia, Butão, Mali e Bolívia.Vail identifica uma dinâmica que se repete em vários lugares do mundo, e que faz parte, segundo ela, do fenômeno da “globalização do turismo”. Primeiro, um lugar remoto é “descoberto” por algum aventureiro estrangeiro. A notícia se espalha, guias de turismo passam a escrever sobre o local e uma onda de viajantes – especialmente jovens mochileiros – começam a ir para lá.
Mas qual é o problema disso? Segundo a diretora, apesar dos benefícios econômicos que o turismo pode trazer para comunidades, quando esse processo ocorre sem infraestrutura e planejamento, ele pode se transformar em um desastre para o meio ambiente e para os moradores do lugar: o lixo se acumula em locais abertos, grandes operadoras estrangeiras se apropriam do dinheiro que os turistas trazem, os preços de produtos básicos vão às alturas, animais mudam seu comportamento, e por aí vai.
“Se você der corda, eles não param”, diz um guia boliviano entrevistado no documentário, referindo-se aos turistas que chegam querendo tocar em tudo e chegar perto demais da fauna e da flora local.
O filme também mostra exemplos positivos, como um hotel administrado por comunidades indígenas na Bolívia e medidas restritivas tomadas pelo governo do Butão para evitar a chegada indiscriminada de visitantes.
“Após passarmos as últimas décadas fazendo o que nos dá vontade, é hora de mudar e perceber que viajar é um privilégio, e que nós somos hóspedes em outra cultura”, disse a diretora Pegi Vail em entrevista ao G1.
Pesquisadora do Centro de Mídia, Cultura e História da Universidade de Nova York, ela é uma viajante experiente: já esteve em 75 países; só ao Brasil já veio três vezes. Vail diz que pretende lançar o documentário no país, mas não tem previsão de data.
Pegi Vail: Raramente consideramos todos esses fatores porque quando viajamos estamos escapando da nossa rotina, e não queremos pensar em "responsabilidade”. Mas acho que, após passarmos as últimas décadas fazendo o que nos dá vontade, é hora de mudar e perceber que viajar é um privilégio, e que somos hóspedes em outra cultura. Como revela uma das turistas entrevistadas no documentário: quando ela viajou pela primeira vez, achou que seria "invisível", mas percebeu o quanto ela havia afetado as pessoas locais.
O turismo não pode fazer mais bem do que mal para um lugar pobre?
Vail - Podem acontecer as duas coisas. A chave é o planejamento de longo prazo. Se um lugar é destruído após anos de festas feitas por viajantes inconsequentes, que então partem e o trocam pelo próximo destino da moda, essas comunidades pobres vão sofrer. Ou se alguns operadores estrangeiros vierem e deixarem todo o dinheiro escoar para seus países de origem, isso não vai beneficiar os moradores.
Os países pobres e em desenvolvimento são os que mais sofrem o impacto negativo do turismo em massa?
Vail - Países em desenvolvimento normalmente têm muito mais desafios devido à falta de recursos financeiros. Eles têm menos infraestrutura para lidar com a carga de visitantes quando o destino começa a se tornar popular, então isso pode sobrecarregar as comunidades.
É fácil notar o impacto negativo do turismo não planejado na paisagem natural. Mas que tipo de impacto cultural os visitantes têm sobre os moradores de um destino?
Vail - Em algumas áreas os habitantes mencionaram o aumento do uso de drogas entre seus jovens devido a influências (por exemplo, em Van Vieng, Laos, agora considerado um destino para festas), enquanto outros reclamam de turistas andando pelados em lugares onde a discrição cultural não aprova esse comportamento. Há muitos outros exemplos.
Mas, ao mesmo tempo, temos que ter cuidado para não sermos paternalistas sobre o que e como nós, turistas, influenciamos os locais, já que as pessoas também fazem suas escolhas sobre que querem incorporar a suas vidas. Apenas elas têm que ser capazes de dizer que escolhas são essas e os turistas têm que ser conscientes disso.
Mochileiros normalmente pensam que são mais integrados a um destino, e causam menos impacto sobre ele, do que turistas que ficam em hotéis confortáveis. Podemos assumir, pelo seu filme, que isso não é bem verdade?
No fim, somos todos turistas, chamemo-nos de mochileiros ou de outros nomes. Ainda somos hóspedes nas "casas" daqueles que visitamos. E pessoas são pessoas, então sempre vai haver uma porcentagem de turistas que é mais prejudicial do que outras em todo tipo de viagem, seja uma pessoa jovem viajando com baixo orçamento, o turista de massa ou o viajante de luxo. E o interessante é qualquer que seja o orçamento dos mochileiros durante uma viagem, a maioria vem da mesma classe social que os turistas comuns, então eles são muito mais similares do que pensam. Apesar disso, viajar de forma independente e com recursos limitados em lugares fora do circuito tradicional sempre vai facilitar gastar localmente
Você já foi mochileira?
Viajei muito, com orçamentos e estilos variados, por 75 países até hoje. Nos meus 20 e 30 anos, ia de forma independente, como mochileira, então sou muito familiarizada com essa subcultura. Foi essa minha experiência com viagens que inicialmente me impeliu a fazer o filme, além do meu trabalho de pesquisa em antropologia sobre a política econômica do turismo e o papel das histórias dos viajantes para o desenvolvimento do setor.
É possível administrar bem a chegada de grandes grupos de turistas com a preservação da natureza e da cultura de um lugar? Que soluções você vê para a questão?
No documentário, mostramos que o Butão fez a escolha de limitar o número de turistas com base nos efeitos negativos que eles observam nos vizinhos Nepal e Tailândia. Eles fazem isso estipulando uma taxa diária de US$ 250 que basicamente corta os viajantes econômicos e mesmo os de orçamento médio. Alguns discordam dessa política, mas foi a solução encontrada pelo governo para prevenir um potencial impacto negativo ambiental e cultural.
Há também várias iniciativas que tentam beneficiar as comunidades dos destinos, como um hotel ecológico administrado por indígenas na Bolívia e um projeto na Tailândia que promove tours em vilas de pescadores e áreas tribais beneficiando realmente a comunidade e preservando o meio ambiente.
Em relação ao lixo que os turistas deixam, países como Ruanda baniram o uso de sacolas de plástico. A diferença em sua paisagem é incrível. E não estamos falando de um país rico.
No Brasil temos tours em favelas. O que acha desse tipo de passeio?
Essa é uma grande questão que tem se tornado cada vez mais importante em tempos recentes desde o advento dos tours de favela modernos, nas últimas duas décadas. Na verdade, esse tipo de passeio não é novidade. Em Nova York eles eram populares na virada do século passado e até antes. Enquanto o turismo de favela e pobreza tem crescido, e tem se tornado até uma atração 'obrigatória' em certos centros urbanos, como no Brasil, ou outros lugares como a Índia e a África do Sul, esse tipo de atividade levantou novas questões éticas. Enquanto muitos que são contra consideram que esse tipo de passeio promove exploração, há grupos que organizam os tours que têm membros das próprias comunidades visitadas que querem jogar uma luz sobre suas condições de vida enquanto as melhoram com os dólares do turismo. Por isso, se isso está na sua lista de coisa a fazer, pelo menos assesgure-se de que é com um grupo organizado de dentro da favela que irá beneficiar aqueles que serão visitados.
Que dicas você dá aos turistas que querem viajar com responsabilidade?
Só algumas muito básicas, do senso comum. 1º: Independentemente do orçamento com o qual você viaja, não custa nada se informar sobre o destino para o qual você está indo e aprender o que fazer e o que não fazer no lugar. Isso pode ser feito por pesquisas online, por livros escritos por pessoas dessa sociedade ou ao menos lendo a seção de contexto no seu guia de viagem. 2º: Tenha em mente que você não é invisível; nós não apenas somos afetados pelas pessoas que visitamos pelos lugares, mas potencialmente exercemos um tremendo efeito sobre eles. 3º: Encontre iniciativas locais de turismo que vão beneficiar o ambiente e as comunidades que os operam e visite-as. Apoie iniciativas de ecoturismo com reputação sólida.
Mário Luiz (Carioca) com G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário