“Eu não quero e nem posso perder o dinheiro porque dependo dele para manter minha família. Hoje eu trabalho para complementar a renda de casa, mas só aceitei o emprego com a condição de não assinar a carteira porque se for assinada eu perco o pouco que ganho”, disse a doméstica Nilza Melo. Essa realidade vem ganhando proporções cada vez maiores na Paraíba. O benefício do Programa Bolsa Família do Governo Federal estaria incentivando alguns beneficiários a trabalharem na informalidade com receio de deixarem de configurar no perfil exigido pelo programa.
A empresária Glauci Mércia Souza, que contratou os serviços de Nilza, sabe que a forma de contrato é ilegal, mas estava precisando de ajuda nos trabalhos domésticos. “Eu sempre contrato com carteira assinada, mas ela me pediu que não assinasse para não perder o benefício, que segundo ela, é fundamental para complementar a renda da família já que o marido é trabalhador informal e ganha pouco”, disse, afirmando que se estivesse na condição de Nilza também faria a mesma coisa. Este mês o Bolsa Família pagou R$ 38,5 milhões a 435.131 famílias paraibanas.
Um estudo do Núcleo de Pesquisas Sociais Aplicadas, Informação e Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense (DATAUFF), realizado na região Nordeste com 600 pessoas beneficiárias do Bolsa Família, mostra que entre os chefes de domicílio a maior concentração percentual está na categoria dos autônomos ou trabalhadores por conta própria, que atinge 28,4% da amostra. Na Paraíba, o estudo foi aplicado em João Pessoa e Itabaiana. Segundo a socióloga Giseuda Ananias, que participou da aplicação dos questionários, apesar dos dados serem gerais, eles representam fielmente a realidade paraibana.
Os empregados assalariados representam 14,7% do total e os desempregados chegam a 16,4%. Situações ocupacionais mais tipicamente femininas como dona de casa, empregada doméstica e diarista, quando somadas, representam cerca de 24%.
Apesar da pesquisa não ter sido feita em Campina Grande, na cidade a realidade não é diferente. Hoje cerca de 33 mil famílias estão sendo beneficiadas com o Bolsa Família no município, mas não há um levantamento que identifique a quantidade de beneficiários que desenvolvem atividades na informalidade, mas de acordo com a coordenação do programa, grande parte deles admite que busca outras formas para complementar a renda.
Gente como a diarista Vaneide Dias Ferreira, 39 anos. Casada e mãe de dois filhos ela recebe R$ 102 todos os meses do programa. O dinheiro, segundo ela, é utilizado para comprar a alimentação da família, mas nem sempre é suficiente. “Para completar as despesas de casa, como compra de roupa, aluguel e até mesmo a alimentação tenho que fazer outros serviços”, contou a beneficiária, que há mais de dois anos está cadastrada no Bolsa Família, ressaltando que por mês chega a receber R$ 80 com os serviços.
Para o coordenador do Bolsa Família no município, Éder Rotondano, a atitude dos beneficiários é natural, “porque é um modo que eles encontram de complementar a renda familiar”. Ele observou que os critérios do programa não proíbem desenvolver atividades extras.
Segundo a socióloga, as estratégias utilizadas por alguns beneficiários para auferir renda ainda são muito reduzidas. Para ela, preferir ficar sem os direitos trabalhistas e previdenciários como FGTS, auxílio doença, indenização por demissão imotivada, férias, décimo terceiro salário não parece uma boa estratégia. “O que acontece é que devido à alta informalidade e precariedade nas atividades que estas pessoas conseguem, pode existir uma omissão de renda temporária como encontramos em pesquisas”, revelou.
Giseuda Ananias, que também é pesquisadora do programa no país, explicou que aqueles que têm carteira assinada obrigatoriamente devem estar registrados na Rais (Relação Anual de Informações Sociais) que é cruzada com a relação de beneficiários e em caso de omissão de renda o benefício é bloqueado. Além desses cruzamentos existem outros com o cadastro de veículos automotores e o de servidores públicos, beneficiários de Benefício de Prestação Continuada (BPC). Outro fator a ser considerado, segundo a pesquisadora, é que são onze milhões de famílias beneficiárias no país e os “vazamentos” podem acontecer em um programa dessas dimensões.
A diretora do Departamento de Gestão dos Programas de Transferência de Renda, da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Sinarc), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Camile Mesquita, disse que o debate envolvendo o Bolsa Família e o trabalho geralmente é cercado de preconceito. Segundo ela, a maioria dos beneficiários do programa no país estão trabalhando no mercado informal, mas não porque eles não queiram e sim porque o mercado não os insere. “O programa é de renda complementar e as famílias precisam, sim, complementar e só podem fazer isso trabalhando”, afirmou, reforçando que não tinha conhecimento sobre a não aceitação da carteira assinada por parte de alguns beneficiários como forma de não saírem do perfil exigido. Segundo ela, todos os anos o MDS faz um recadastramento das famílias para checar se elas estão regulares e dentro do exigido.
O Bolsa Família atende famílias com renda de até R$ 140,00 por pessoa, divididas em dois grupos:
1) As famílias com renda de até R$ 70,00 por pessoa terão, a partir de setembro, o direito ao benefício básico, de R$ 68,00, mais o benefício variável de R$ 22,00 (de acordo com o número de crianças de até 15 anos) no limite de três benefícios, além do benefício de R$ 33 para adolescentes de 16 e 17 anos ( no limite de dois benefícios). Com isso, essas famílias passam a receber valores entre R$ 68,00 e R$ 200,00.
2) No caso das famílias com renda por pessoa de R$ 70,00 a R$ 140, são pagos apenas os benefícios variáveis: R$ 22,00 (de acordo com o número de crianças de até 15 anos) no limite de três benefícios, além do benefício de R$ 33,00 para adolescentes de 16 e 17 anos (no limite de dois benefícios). Com isso, essas famílias passam a receber de R$ 22,00 a R$ 132,00.
REPORTAGEM:MARIO CARIOCA
EDIÇÃO DE TEXTO:RAFAELA SOARES
FOTO:TV CONDE