Nesta quinta-feira (18), mais de 4 milhões de pessoas decidem se a Escócia se torna um país independente ou continua parte do Reino Unido. Em uma disputa extremamente acirrada, a maioria das pesquisas mostra uma ligeira vantagem do "não", mas em índices que tornam quase impossível prever um resultado.
Caso desfaçam uma união que já dura 307 anos, os escoceses terão até março de 2016 para fazer a transição política e econômica para uma nação totalmente independente.
A votação irá acontecer em 2.608 postos em toda a Escócia, entre as 6h e as 21h (das 2h às 17 horas no horário de Brasília), e a apuração terá início assim que o processo for encerrado. A contagem dos votos será feita regionalmente por 32 autoridades locais, que enviarão suas parciais para o Escritório Eleitoral. A expectativa é de que o resultado seja conhecido já na manhã de sexta-feira (19).
Em guerras travadas no século 14, o Reino da Escócia já buscava sua independência do Reino da Inglaterra. Os dois países só se uniram de vez, formando o Reino da Grã-Bretanha, em 1707 e, em 1801, o Reino Unido (após a adesão da Irlanda). Desde a década de 1920 a ideia de separar a Escócia da Inglaterra, País de Gales e Irlanda é discutida, ainda com mais intensidade após a criação do Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês), em 1934. No final da década de 1950, dois milhões de escoceses (em uma população de cinco milhões) assinaram um documento que já pedia a independência, mas o processo não foi levado adiante.
Em 1979, um referendo que pedia a criação de uma Assembleia Escocesa usava o termo "devolução", já que restabeleceria um Parlamento Escocês como o que existiu do século 13 até 1707. A chamada devolução aconteceu após um novo referendo, em 1997, e o novo Parlamento Escocês teve seus representantes eleitos em 6 de maio de 1999. É este o parlamento que o governo britânico promete fortalecer caso a maioria dos escoceses rejeitem a independência nesta quinta. Quando foi definido o atual plebiscito?
A proposta de independência foi fortalecida em 2011, quando o SNP teve uma significativa vitória eleitoral, conquistando a maioria das cadeiras do Parlamento Escocês. Um acordo entre os governos da Escócia e do Reino Unido permitiu que, em março de 2013, fosse apresentado o projeto de lei para a nova votação. Aprovado pelo Parlamento Escocês em 14 de novembro de 2013, ele recebeu o Consentimento Real em dezembro do mesmo ano. O que pergunta o plebiscito?
A pergunta aos eleitores é bastante simples e, como em todo plebiscito, deve ser respondida com sim ou não: "A Escócia deve ser um país independente?" Quem pode votar nesta quinta?
O Escritório Eleitoral do país informou, no dia 11 de setembro, que quase 4,3 milhões de pessoas se registraram para o plebiscito. Têm direito a voto os cidadãos britânicos, da União Europeia ou da Comunidade Britânica (a Commonwealth, que inclui países como Índia, Canadá e Austrália, antigas colônias britânicas), desde que tenham mais de 16 anos, vivam na Escócia e estejam registrados. Os escoceses que moram em outros países, incluindo o restante do Reino Unido, não poderão votar. A única exceção será para membros das Forças Armadas que estejam em missões no exterior. Quem são os principais defensores do sim e do não?
A campanha pela independência é coordenada pelo grupo "Yes Scotland", criado em maio de 2012. O principal nome na campanha pelo "sim", no entanto, é o primeiro-ministro escocês, Alex Salmond. Já a união dos partidos e organizações contrárias à independência recebeu o nome de "Better Together" ("melhor juntos"). O maior porta-voz a favor da permanência da união, previsivelmente, tem sido o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron. Quais os principais argumentos a favor e contra a independência?
Um dos principais argumentos dos separatistas é econômico. Cerca de 90% das reservas de petróleo do Reino Unido no Mar do Norte estão em território escocês, e eles alegam que, com isso, a Escócia poderia se tornar um dos países mais ricos do mundo. Já aqueles contrários à separação afirmam que as reservas irão se esgotar no futuro, e que o sucesso na exploração do petróleo e gás natural só é possível graças à contribuição do Reino Unido.
A questão da energia também gera debates, com os defensores do "não" afirmando que a Escócia sozinha não teria instalações suficientes para gerar toda a energia de que necessita, o que é refutado pelos separatistas. Caso ganhe o "sim", o período de transição se estenderá até março de 2016, quando acontecerão as primeiras eleições para um Parlamento Escocês totalmente independente. Até lá, Escócia e Reino Unido irão negociar a divisão da dívida externa e questões que envolvem desde o sistema educacional até o uso da moeda.
O primeiro-ministro escocês já sinalizou que pretende continuar usando a libra esterlina, mas isso só será possível caso haja a concordância do governo britânico, que não se mostra favorável à ideia. Outras opções seriam a adoção do euro ou a criação de uma moeda própria, o que economistas consideram inviável pelos altos custos.
Também indefinida é a situação do país em relação à Comunidade Europeia, já que existe uma discussão sobre ele poder aderir ao grupo automaticamente ou ser obrigado a se candidatar a uma vaga.
Os escoceses dizem ainda que gostariam de se tornar membros da Organização do Tratato do Atlântico Norte (Otan), e que pretendem criar uma Constituição própria, que entre seus itens terá a proibição de armas nucleares no país. Com isso, o governo britânico teria até 2020 para retirar o sistema de mísseis nucleares Trident da base naval de Faslane, perto de Glasgow. A Escócia deve ainda criar seu próprio aparato de inteligência, após perder o acesso a órgãos britânicos como o MI5 e o SIS, e planeja abrir mais de 100 embaixadas em diversos países. O país também quer ser um membro da Commonwealth, assim como Austrália e Canadá, e se manter uma monarquia constitucional, o que significa manter a soberania da rainha Elizabeth II e a contribuição financeira às despesas da família real.
O que acontece se a Escócia não se tornar independente? Pouca coisa deve mudar caso o "não" saia vitorioso. Mas o governo do Reino Unido já garantiu que irá ampliar a autonomia escocesa se isso acontecer. No início de setembro, o ministro das Finanças da Grã-Bretanha, George Osborne, prometeu inclusive apresentar planos que oferecerão maior autonomia à Escócia em impostos, custos e benefícios sociais.
David Cameron também afirmou que o Parlamento Escocês deverá ser fortalecido, com mais assuntos relacionados ao país sendo decididos por ele, em vez de pelo Parlamento Britânico. Caso a independência seja rejeitada, não existe previsão de realização de um novo plebiscito.
Ítens como saúde, educação, agricultura, orçamento, segurança e as relações políticas e econômicas com outros países também são alvos de discussão, em geral com argumentações semelhantes. Os favoráveis à independência dizem que todos esses setores seriam beneficiados caso fossem geridos localmente, sem a influência do governo do Reino Unido. Seus opositores, porém, garantem que a Escócia não seria tão bem sucedida quanto é hoje se não tivesse tido o apoio do Reino Unido.
Mário Luiz Carioca com G1
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