Seu Sílvio e dona Rosa encontraram conforto para envelhecerem juntos (Foto: Krystine Carneiro/G1)
Foi em João Pessoa
que o casal Sílvio Camacho, de 68 anos, e Rosa Maria, de 55, encontrou
refúgio para envelhecer junto. Eles procuravam conforto e facilidade no
acesso a cuidados médicos e tiveram que se mudar do Rio de Janeiro para a
Paraíba por recomendações médicas. Os dois viveram de aluguel no bairro
de Mangabeira VIII, mas a solução ideal apareceu em junho de 2014, com a
inauguração do condomínio exclusivo para idosos Cidade Madura.
“Esse condomínio é um paraíso pra mim. Tem pessoas que não gostam, mas
eu acho isso aqui muito importante. Nós somos muito felizes aqui, temos
todo o conforto que nós necessitamos para ter uma velhice sadia e até
para alongar um pouco a nossa vida. Tenho tranquilidade. Durmo sabendo
que amanhã eu vou estar no mesmo lugar, com esse ar puro, esse
conforto”, relatou o idoso.
Banheiro de todas as casas é adaptado
(Foto: Krystine Carneiro/G1)
O Cidade Madura foi inaugurado pelo governo do Estado para abrigar
idosos que não têm como comprar suas próprias casas e que conseguem
viver sozinhos.
Seu Sílvio, carioca, e dona Rosa, paraibana, se conheceram no Rio de
Janeiro. Eles se viram obrigados a morar na Paraíba depois que ela fez
uma cirurgia para retirar um tumor na medula e ficou paraplégica. Mas a
obrigação acabou se tornando um privilégio. “Aqui [no condomínio] nós
chegamos com a felicidade de encontrar a casa toda adaptada pra nós. Eu,
idoso, e ela, cadeirante. Todas as portas têm um metro de largura, ou
seja, ela tem facilidade de circular pela casa, pelo codomínio. Foi uma
dádiva, uma bênção de Deus. Agradeço a ele todos os dias”, disse.
“Também não é um favor o que eles estão fazendo. É preciso que se deixe
claro. Isso aqui é o cumprimento da constituição. Ele [o governador]
está investindo 3% do que se investe em habitação popular para as
pessoas de baixa renda e idosas. Como nesse nosso país poucos cumprem a
lei, isso é uma coisa nova. Isso é um reconhecimento, porque nós que já
estamos chegando à terceira idade, ao final da vida, trabalhamos muito
para construir esse país riquíssimo”, afimrou seu Sílvio.
Horta de seu Sílvio tem espécies de flores
ornamentais, verduras, legumes, frutas e ervas
(Foto: Krystine Carneiro/G1)
Para embelezar o seu lote, seu Sílvio decidiu cultivar um jardim e uma
horta em volta da casa. Assim que se mudou, vários restos de obras
estavam jogados no quintal, mas ele fez toda a limpeza e está tentando
melhorar a condição do solo aos poucos. “Comecei a cuidar do meu solo
pra me distrair. É uma terapia”, disse o idoso, que tem formação em
paisagismo e agricultura orgânica.
No local, ele cultiva plantas ornamentais, como margaridas amarelas,
zinhas, lírios, tumbergias azuis, buganviles, palmeiras arecas e de
manila, acalifas, crotons, entre outros. “Estou até plantando algumas
mudas de palmeiras para presentear os vizinhos. Para cada um ter uma
palmeira na frente de casa”, comentou. Na horta, são plantados vários
tipos de alimentos e ervas aromáticas, como macaxeira, jerimum, moranga,
batata-doce, quiabo, milho, mamão, amora, laranja, banana-nanica, romã,
alface, couve, coentro, cebolinha, salsa, erva-cidreira,
hortelã-pimenta e manjericão.
Regina está aprendendo a tocar violão em casa (Foto: Krystine Carneiro/G1)
Vigor
Maria Regina dos Santos é um bom exemplo de que os idosos do Cidade
Madura sabem se virar sozinhos. Aos 88 anos, ela nega o título de
“dona”. Há 7 anos, decidiu ir morar sozinha, no bairro do Cristo, mas
não parou de se mexer. Ela realiza atividades na igreja, faz artesanato
com crochê, frivolitê e garrafas PET, costura, dá aulas de artesanato,
faz atividades físicas em um centro para idosos e ainda está aprendendo a
tocar violão.
“Isso tudinho é pra avivar a mente, pra eu não ficar perturbada. Quando
eu decidi morar sozinha, os meninos [considerados netos] questionaram.
Mas minha cabeça não tá boa? Não tô tantã. Enquanto a cabeça estiver
boa, eu posso morar só”, afirmou Regina.
Academia está disponível para os idosos, mas não
há instrutor (Foto: Krystine Carneiro/G1)
Além do objetivo de se distrair, aprender a tocar violão era um sonho
de infância. “Eu nunca pude comprar um violão. No meu aniversário,
ganhei esse e agora o professor me dá aula aqui.
Regina trabalhou como doméstica durante cerca de 70 anos e nunca casou
ou teve filhos. Passou 48 anos na última casa onde trabalhou e considera
os antigos patrões como filhos, netos e bisnetos. Depois de uma vida
bastante intensa, ela encontrou tranquilidade no condomínio. “Gosto de
tudo. Aqui é muito calmo, é ótimo”, disse.
Estrutura
Em 1,9 hectare de área, o condomínio tem 40 casas, cada uma com 54m²,
uma área de convivência, um Núcleo de Assistência à Saúde, equipamentos
de ginástica ao ar livre, um redário, mesas para xadrez e dama, uma área
para jardinagem e horta, salas para oficinas e treinamentos, uma
guarita e um bloco de administração.
Segundo a gerente de fiscalização de obras da Companhia Estadual de
Habitação Popular (Cehap), Thaís Christine, o investimento para a
construção do condomíno em João Pessoa foi de R$ 4.411.658,72. Um outro
projeto semelhante, com uma área de 1,2 hectare e com a adição de uma
miniquadra, está em execução em Campina Grande. Neste último, estão
sendo investidos R$ 3.837.078,58.
Os funcionários designados para ajudar no funcionamento do condomínio
são disponibilizados por três secretarias do governo do estado. Os
porteiros, auxiliares de limpeza e assistentes sociais são da Secretaria
de Desenvolvimento Humano (Sedh), os enfermeiros e psicólogos são da
Secretaria de Estado de Saúde (SES) e os policiais que fazem a segurança
durante à noite são da Secretaria de Segurança e da Defesa Social
(Seds). Os funcionários não trabalham como cuidadores dos idosos.
Seleção
A seleção dos idosos que vão ocupar as casas é feita pela Sedh. De
acordo com a gerente de Proteção Social Especial do Cidade Madura,
Gabrielle Vasconcelos, é preciso ter 60 anos ou mais, ter uma renda de
até cinco salários mínimos, morar só ou com o cônjuge e ser
independente.
Condomínio tem 40 casas exclusivas para idosos
(Foto: Krystine Carneiro/G1)
Atualmente, 57 pessoas estão em uma espécie de fila de espera para ser
contemplado com uma das casas. Os imóveis só são entregues a outro idoso
quando o que já reside desiste da casa ou morre. Em nenhum caso a vaga
no condomínio é passada como herança, ou seja, para a família do idoso
que ocupa a casa.
Uma vez morando na casa, o idoso só precisa pagar água e luz - não há
cobrança de aluguel. Os próprios condôminos estão estudando elaborar um
regimento interno e cobrar uma taxa para garantir a manutenção das áreas
comuns, mas, segundo Gabrielle Vasconcelos, o valor não deve passar de
R$ 50.
SDH não concorda com o modelo
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio
da Coordenação de Promoção dos Direitos da População Idosa, informou que
é contra a restrição de espaços especificamente para as pessoas idosas.
“Defendemos que os espaços de convivência sejam comuns, com autonomia e
relações intergeracionais. Um lugar só com pessoas idosas acaba gerando
dificuldades de interlocução com a sociedade como um todo”, afirmou a
coordenadora-geral, Neusa Muller.
Segundo Neusa, esse mesmo modelo de habitação gratuita exclusiva para
idosos também existe em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás,
Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
Um lugar só com pessoas idosas acaba gerando dificuldades de interlocução com a sociedade como um todo"
Neusa Muller,
coordenadora-geral de Promoção dos
Direitos da População Idosa
Neusa explicou que, aparentemente, o condomínio não tem problemas em
relação aos seus espaços, mas que a coordenação tem muitas restrições em
relação à segregação da pessoa idosa. "Também não defendendo a
institucionalização, a não ser que não exista nenhuma outra
alternativa”, acrescentou.
Como alternativa, a coordenadora-geral de Promoção dos Direitos da
População Idosa sugere que os idosos procurem o programa Minha Casa,
Minha Vida. “Na sua essência, o programa traz o idoso para morar no
mesmo espaço que outras pessoas, com crianças inclusive. E, conforme
prevê o Estatuto do Idoso, eles têm preferência na aquisição da casa.
Com isso, ele permite que as pessoas idosas acessem essas moradias de
baixo custo e ainda convivam de forma mais harmônica e produtiva”,
afirmou.
Mário Luiz (Carioca) com G1 PB