Na favela controlada há quatro décadas por criminosos, quem garante a ordem ainda é o fuzil, agora nas mãos de policiais. Maiores cobranças são por coleta de lixo e rede de esgoto
Movimento intenso na Rocinha: desconfiança marca o início da relação entre policiais e moradores
(Cecília Ritto)
“Convivemos com muito lixo no chão, sujeira. Não temos lixeira nas ruas. Isso atrai ratos e insetos”, diz Cristina Lisboa
Fora a presença dos policiais, a segunda-feira parecia um dia normal. O comércio na Estrada da Gávea, que liga o local até os casarões do bairro da Gávea, esteve movimentada. Os bares, mercados, salões de beleza e lojas ficaram cheios. O trânsito, como de costume, era caótico. Quem vive na Rocinha garante que a tranqüilidade é aparente.
Rosane Cunha mora há seis anos na Rocinha. Antes, vivia em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O trabalho do marido, na zona sul, fez com que a favela fosse uma opção mais prática e mais em conta, por causa dos gastos com transporte – este, aliás, um dos motivos do crescimento das favelas na zona sul nas últimas décadas. “Tinha plano de viajar no feriado, mas fiquei em casa. Sabendo que vai ter operação, deixar a casa sozinha é um risco. Nunca sei se a polícia vai arrombar a casa e levar tudo”, disse. Para afastar o risco de saques, como ocorreu no Alemão, a Secretaria de Segurança proibiu a entrada de policiais com mochilas.
Rosane lembra que as regras do tráfico também eram claras – e as punições, cruéis. “Aqui não havia roubo de dinheiro ou mercadoria. E eles (os traficantes) também protegiam as meninas”, disse. “Uma vez, eles mandaram matar um homem que tinha estuprado uma menina. Um morador que saqueou uma igreja também levou uma dura”, conta. As impressões da moradora são comuns aos que, por tanto tempo, tiveram apenas o tráfico como referência de poder local. Se coibiam os estupros dentro da favela, a quadrilha de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, patrocinava atrocidades nos arredores, e sustentava a ditadura da facção “Amigos dos Amigos” (ADA). Um dos crimes bárbaros atribuídos a Nem e seus seguidores é o assassinato das jovens Luana Rodrigues de Sousa, 20 anos, e Vanessa de Oliveira, 25, mortas porque Nem suspeitou que elas teriam passado informações para a polícia.
Confiança – Conquistar a confiança da população é um desafio para as forças de segurança. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, explicou que esta é a terceira fase da operação. A primeira, foi o cerco para impedir a fuga de traficantes. A segunda, a ocupação, ocorrida no domingo. A partir de agora, o trabalho é de vasculhar a favela e apresentar o trabalho aos moradores, para que se estabeleça uma relação de confiança. A polícia espera que eles, moradores, sejam canais de informação para saber quem são e onde estão os traficantes.
Depois da repercussão negativa sobre saques no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, os procedimentos foram lapidados. Uma moradora da Rocinha, que pede para não ser identificada, conta que teve a casa revistada duas vezes. “No domingo, o Bope entrou, pediu a identidade do meu marido. Hoje, estávamos dormindo quando a polícia bateu na porta. Como viram que não tínhamos nada, disseram que podíamos voltar a dormir”, conta.
Serviços – Parte da confiança na polícia e no estado será facilitada se, depois da polícia, os serviços públicos chegarem à favela. Apesar do aviso de que só subiriam o morro na quarta-feira, carros da Comlurb trabalhavam na Rocinha nesta segunda-feira. O lixo acumulado nas calçadas – praticamente não há lixeiras públicas – e o mau cheiro são praticamente um padrão. Coleta de lixo e esgoto são, segundo os moradores, as necessidades mais urgentes.
“Convivemos com muito lixo no chão, sujeira. Não temos lixeira nas ruas. Isso atrai ratos e insetos”, diz Cristina Lisboa, 40 anos. A crítica da moradora ajuda a explicar o alto índice de doenças na Rocinha, que se destaca negativamente na cidade pela incidência de tuberculose – muito acima do restante da cidade.
A falta de rede de esgoto obriga a população a improvisar. Na casa de Suzy Vieira, 42 anos, a saída foi construir um muro. Não para cercar a casa ou impedir o acesso de bandidos, mas para conter a maré de esgoto que costuma descer, principalmente em dias de chuva.
Da Redação com ÉPOCA
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