segunda-feira, 2 de abril de 2012

O COMEÇO DO FIM DO MUNDO

“Olha aqui meu braço. Vê? Pernilongo... Foi um pernilongo quem fez isso. Vê se pode!” Ele disse mostrando um grande hematoma oval em seu antebraço direito, algo do tamanho de um ovo médio. Em seguida, ergueu a manga da camiseta branca de malha estampada pelo candidato a vereador na eleição passada e exibiu outro hematoma.

 Este em seu braço esquerdo, sendo ainda maior do que o anterior. Era redondo e tinha em sua circunferência o diâmetro de uma laranja. Mostrou e enfatizou: “Foi o maldito pernilongo quem fez isso.” Mostrou outros hematomas menores espalhados por seus braços brancos, frágeis e delgados. Atribuiu todos ao pernilongo. Aquele hematoma no braço esquerdo impressionava não só por sua forma exata, bem delineada, mas por seu relevo. Tratava-se de um hematoma em alto relevo, na cor vinho, e parecia poder romper e extravasar a qualquer momento. Segundo Bob/Rock/Blues, aquele seria o pai de todos os hematomas.


A cuidadora, com certa pressa, como se fosse responsável por manter a mínima coerência no recinto, entrou pelo quarto com um copo de água para o homem e disse que aquilo fora o resultado de um tombo que ele levara no final de semana quando passava o dia na casa da filha, em Ribeirão Preto. Bob/Rock/Blues não gostou nada da intervenção da mulher. Olhava-a com certo desprezo e total reprovação, como se a mulher não dissesse nada com nada, como se ela fosse uma tola estouvada. Então ele aguardou que ela se afastasse. Sentado na borda da cama, esticou o pescoço para certificar-se de que ela ia longe pela porta que dava do quarto para a sala e continuou examinando o pai de todos os hematomas, impressionado com a obra maior do pernilongo, seu algoz.


“Eu não sei onde Deus estava com a cabeça!” “Como?... Quem?!” “Deus, ora! Não sei onde ele estava com a cabeça quando inventou o pernilongo.” “Seu Bob/Rock/Blues, quer dizer que agora o senhor entrou para a oposição?” Ele não respondeu nem que sim nem que não, tampouco sorriu. Continuou passando a mão e examinando sua coleção de hematomas. “Maldito pernilongo! E a gente não consegue matar ele nunca. Quando a gente vai pra matar, o bicho foge. E pra matar um bicho desses, só se for na bala. Ele é muito esperto.” “O senhor já experimentou colocar um repelente aqui?” “Ih, já tentei de tudo que você pensar, o bicho parece até gostar dessas coisas químicas, aí é que ele fica doidão e pica a gente pra valer.” De repente Bob/Rock/Blues arregalou os olhos em direção à janela de seu quarto. “Shiiiiu. Não olhe agora. Ele pousou na janela, no parapeito. Finja que vai pegar alguma coisa e veja..., mas não olhe direto pra ele..., pode espantá-lo” Sussurrou como se coordenasse uma delicada manobra de guerra. 

Conforme Bob/Rock/Blues ordenou, fiz. Sob pretexto de apanhar a bisnaga de gel para hematomas sobre o criado mudo, voltei-me discretamente de perfil para a janela cuja qual eu estava de costas até então. Foi quando vi a silhueta do bicho que estava pousado sobre o parapeito. Da extremidade de seu probóscide, a ferramenta perfurante usada para sugar o sangue da vítima, no caso, algo semelhante a uma grande tromba, à extremidade de seu abdome, o bicho tinha o tamanho de uma águia, um carcará, cerca de cinqüenta centímetros de comprimento. Com suas pernas longas então, era bem maior que um carcará. Ele parecia olhar fixamente Bob/Rock/Blues com a finalidade de inibi-lo. Por algum tempo, fiquei imóvel com a bisnaga de gel em uma mão e com o olhar abestalhado em direção a caixa do medicamento que estava na outra, como se lesse as inscrições da embalagem. Bob/Rock/Blues olhava fixamente para o inseto, tinha ódio no olhar. Em contrapartida, o olhar do inseto certamente seria indiferente, desprovido de qualquer afetação ou emoção. Ele apenas aguardava o momento que lhe parecesse adequado para mais uma refeição. 

Rafaela Soares com  Jefh Cardoso

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