Paraplégico chutou bola com ajuda de robô comandado pelo cérebro.
Transmissão da Fifa mostrou experimento por poucos segundos.
O neurocientista Miguel Nicolelis reclamou do pouco tempo
reservado ao "chute simbólico" com o exoesqueleto na transmissão da
abertura da Copa do Mundo, nesta quinta-feira (12). O chute em uma bola
de futebol foi dado por um paraplégico que usava o equipamento, um robô
comandado pelo cérebro.
Na transmissão oficial, exibida por emissoras em todo o mundo, a cena
durou sete segundos. Integrantes do projeto "Andar de Novo" apareceram
com o voluntário paraplégico, que estava em pé e já vestia o
exoesqueleto. Ele deu um passo com a perna direita e movimentou a bola,
recolhida por um menino caracterizado de árbitro de futebol. O momento
vinha sendo preparado há anos por Nicolelis e sua equipe.
“A Fifa nos informou que nós teríamos 29 segundos para realizar um
experimento dificílimo. Nunca ninguém fez uma demonstração em 29
segundos de robótica. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Foi um
esforço dramático de todas essas pessoas que estão aqui. E nós
realizamos em 16”, disse Nicolelis. “Pelo visto, a Fifa não estava
preparada para filmar um experimento que vai ser histórico”, completou.
Juliano Pinto, voluntário que deu o pontapé na
abertura (Foto: Reprodução/TV Globo)
A identidade do voluntário escolhido para dar o chute vinha sendo
mantida em segredo. Na abertura, foi revelado que ele se chama Juliano
Pinto e tem 29 anos. Ele tem paraplegia completa de tronco inferior e
membros inferiores. "Sempre existe um caminho e sempre existe esperança
para aquele que acredita e para aquele que sonha", disse, após dar o
pontapé.
Inicialmente, a equipe de cientistas havia divulgado que o voluntário
caminharia alguns passos para dar o simbólico "chute inaugural" do
campeonato. Segundo o Comitê Organizador da Copa do Mundo, o "pontapé
inicial" foi dado fora do campo de jogo, para não prejudicar o gramado
por causa do peso do equipamento.
Após a demonstração, Nicolelis postou em seu Twitter a frase "We did
it!!!!", que quer dizer, "conseguimos", na tradução do inglês. Em
comunicado de imprensa, Nicolelis informou que “foi um grande trabalho
de equipe e destaco, especialmente, os oito pacientes, que se dedicaram
intensamente para este dia. Coube a Juliano usar o exoesqueleto, mas o
chute foi de todos. Foi um grande gol dessas pessoas e da nossa
ciência”.
O projeto
Mais de 156 pesquisadores de vários países integraram um consórcio
responsável pela investigação científica, encabeçado pelo brasileiro
Miguel Nicolelis, professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e
do Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily
Safra (IINN-ELS).
O princípio envolvido no funcionamento do exoesqueleto é a chamada
"interface cérebro-máquina", que vem sendo explorada por Nicolelis desde
1999. Esse tipo de conexão prevê que a "força do pensamento" seja capaz
de controlar de maneira direta um equipamento externo ao corpo humano.
No caso do exoesqueleto do projeto "Andar de novo", uma touca especial
vai captar as atividades elétricas do cérebro por eletroencefalografia.
Quando o voluntário se imaginar caminhando por conta própria, os sinais
produzidos por seu cérebro serão coletados pela touca e enviados a um
computador que fica nas costas da veste robótica.
O computador decodifica essa mensagem e envia a ordem aos membros
artificiais, que passarão a executar os movimentos imaginados pelo
paraplégico. Ao mesmo
tempo,
sensores dispostos nos pés do voluntário enviam sinais para a roupa
especial. A pessoa, então, sente uma vibração nos braços toda vez que o
robô tocar o chão. É como se o tato dos pés fosse transferido para os
braços, naquilo que Nicolelis chama de "pele artificial".
Testes
Juliano
Pinto, de 29 anos, que é paraplégico, deu um "chute simbólico" em uma
bola de futebol na abertura da Copa do Mundo, na Arena Corinthians. Ele
utilizou o exoesqueleto, equipamento desenvolvido pela equipe do
neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis (Foto: Reginaldo
Castro/Estadão Conteúdo)
A equipe do projeto está no Brasil desde março, trabalhando em um
laboratório montado dentro da Associação de Assistência à Criança
Deficiente (AACD), instituição parceira do "Andar de novo". Segundo nota
divulgada pela assessoria de imprensa do projeto, oito pessoas da AACD
testaram o equipamento e, no dia 28 de maio, todos os "objetivos
científicos, clínicos e tecnológicos" foram concluídos.
Em 16 de maio, Nicolelis já havia anunciado em sua conta no Facebook a
conclusão dos testes com voluntários. "Depois de meses de treinamento,
os últimos dois voluntários andaram com a ajuda do exoesqueleto e
puderam desfrutar da sensação de andar de novo", escreveu o
neurocientista. O pesquisador batizou o exoesqueleto de "BRA-Santos
Dumont I".
Críticas
Antes de chegar a esse patamar de estudo, Nicolelis publicou em
revistas científicas renomadas vários resultados envolvendo mecanismos
da interface cérebro-máquina. Em um dos artigos mais recentes,
um macaco foi capaz de controlar, só com a "força da mente", dois braços virtuais ao mesmo tempo. Mas, até o momento, os resultados dos testes do exoesqueleto em humanos ainda não foram publicados.
Segundo a assessoria de imprensa do projeto, os resultados finais serão
apresentados nos próximos meses, por meio de publicações em revistas
especializadas. Em entrevista à revista científica americana "Science"
publicada na semana passada, Nicolelis afirmou que a apresentação no
estádio do Corinthians era para a comunidade científica, mas para o
público. "A demonstração para a comunidade científica virá em artigos,
mais tarde", completou o brasileiro.
Uma das principais críticas que a comunidade científica tem sobre o
"Andar de novo" é o fato de ele captar a atividade cerebral por meio de
eletroencefalografia. Anteriormente, Nicolelis pretendia usar eletrodos
implantados diretamente no cérebro. Questionado pela revista "Science"
sobre essa mudança, o pesquisador respondeu que mudou de ideia depois de
observar que os resultados de grupos que exploraram essa tecnologia
eram "medíocres".
"Vimos que tínhamos um novo algoritmo para a eletroencefalografia que
poderia fazer mais do que pensei no início", disse o neurocientista. Ele
acrescentou que os implantes de eletrodos realmente funcionam melhor no caso da movimentação dos braços, mas não para locomoção.
De acordo com Nicolelis, essa demonstração é apenas o primeiro passo da
pesquisa, que deve continuar a ser desenvolvida para que o exoesqueleto
se torne uma alternativa viável de mobilidade para pessoas paralisadas.
"Isso é apenas para aumentar a conscientização para o fato de que temos
de 20 a 25 milhões de pessoas paralisadas ao redor do mundo, e que a
ciência, se devidamente financiada e apoiada, pode fazer alguma coisa.
Se começarmos agora – e esse é apenas um chute inicial simbólico –
podemos conseguir fazer alguma coisa nos próximos anos."
Mário Luiz (Carioca) com G1