Em
Porto Alegre, o Valor apurou que o advogado que entra com a ação
costuma ficar com 30% do novo empréstimo, enquanto o pastinha fica com
10%, mais a comissão recebida das instituições financeiras por cada
contrato fechado. Há casos em que 50% do valor do novo empréstimo se
destina a pagar pela fraude.
A
operação, porém, só funciona graças à anuência de alguns juízes, que
concedem as liminares. No interior da Paraíba, a 220 quilômetros de João
Pessoa, o município de Picuí, com menos de 20 mil habitantes, recebeu
mais de 5 mil ações revisionais de empréstimo consignado nos últimos
dois anos. É como se um quarto de toda a população tivesse decidido
entrar na Justiça para discutir os termos desse contrato financeiro.
Os
números são mencionados em um pedido de providências enviado ao
Ministério Público pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Paraíba,
ao qual o Valor teve acesso. De janeiro a setembro de 2012, foram 4.433
ações só em Picuí, segundo o documento.
Situação
semelhante ocorreu em Barra de Santa Rosa, no agreste paraibano. A
pequena cidade, com 13 mil moradores, recebeu quase 1,3 mil ações
revisionais de empréstimo consignado em 2011 - chegando a representar
75% do total de demandas distribuídas na comarca, de acordo com o
documento da OAB.
O
juiz titular em Picuí, Mário Lúcio Costa Araújo, respondia também como
substituto em Barra de Santa Rosa durante a enxurrada de ações. As
liminares foram concedidas sem citar as instituições financeiras para
que pudessem se defender no caso, de acordo com o documento da OAB. "A
expedição da carta citatória se dá, em regra, um mês após o cumprimento
da medida, havendo, na maioria dos casos, indicação equivocada dos
endereços dos réus", diz o texto.
Até que o banco tome conhecimento da existência do processo, os autores têm tempo de sobra para tomar novos empréstimos.
Em
alguns exemplos citados no pedido de providências, o ofício enviado
pelo juiz ao órgão pagador para "limpar" a folha, liberando a margem
consignável, foi expedido antes mesmo da liminar. Em outros, isso teria
ocorrido em um momento anterior à própria distribuição do processo.
"Nos
ofícios direcionados ao órgão pagador, os quais são assinados pelo
próprio magistrado, há ordem expressa de que não haja comunicação acerca
da referida liminar à instituição bancária demandada. Certamente tal
orientação serve como meio de impedir que seja interposto recurso em
tempo hábil", diz a OAB.
Procurado
pelo Valor, o juiz Mário Araújo confirma que concedeu "diversas
liminares" para suspender o pagamento de parcelas do consignado, mas
fala que derrubou as decisões ao verificar que os fatos "não
correspondiam" ao que era sustentado no processo.
Tarde
demais para os bancos: uma liminar derrubada, nesse caso, não recupera a
dívida. "O grau de reversibilidade é nulo, ou seja, o prejuízo já foi
consumado, pois os servidores já contraíram empréstimos em outros
bancos", explica o advogado Djalma Silva Júnior, consultor jurídico da
Associação Brasileira de Bancos (ABBC).
O
juiz Mário Araújo disse que "não tem conhecimento de fraude", mas que
"pode até ter sido enganado por advogados". A reportagem teve acesso a
diversas ações apresentadas em Picuí pelos advogados Moisés Duarte
Chaves Almeida e José Dutra da Rosa Filho.
Um
dos processos tem como autora uma entidade denominada Associação
Brasileira dos Funcionários Públicos Civis e Militares Ativos e Inativos
(Abrasfup), que questionou, ao mesmo tempo, empréstimos tomados em 18
instituições financeiras: Santander, Matone, Paraná Banco , BGN, BMC,
Industrial, Pecunia, BV Financeira, Daycoval, BicBanco, Cruzeiro do Sul,
Fibra, Safra, Morada, Itaú, Capemisa, PanAmericano e Bonsucesso. Uma
liminar foi concedida para suspender os descontos de contratos de todas
essas instituições, e liberar a margem consignável de diversos
beneficiários. Curiosamente, uma entidade sediada em Picuí reuniu
associados de diversas regiões do país.
"Em
algumas oportunidades, o autor realiza esses atos de forma consciente, e
em muitas outras é iludido por atravessadores existentes no mercado",
diz o diretor jurídico do Banco Bonsucesso, Álvaro Loureiro.
Documentos
obtidos pelo Valor demonstram que a Abrasfup foi criada em janeiro de
2012 e, em junho, começou a inscrever associados. No mês seguinte,
passou a entrar com ações de empréstimo consignado. O advogado Moisés
Duarte Chaves Almeida, assim como o responsável pela Abrasfup, não foram
localizados para comentar o caso. O advogado José Dutra da Rosa Filho
disse que não atua mais em nome da Abrasfup.
Segundo
o documento da OAB, processos semelhantes foram apresentados pela
Associação dos Servidores da Segurança do Poder Legislativo do Estado da
Paraíba (Asspol) e pela Associação Nacional de Defesa dos Servidores
Públicos (Andespub) na comarca de Caaporã, na região metropolitana de
João Pessoa.
Mário Luiz (Carioca) com Jornal Valor Econômico
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