Grãos são mais resistentes e de tradição mantida há décadas.
Comunidades rejeitam milho oferecido pelo poder público.
Canteiro em terreno comunitário é usado para plantar durante a seca (Foto: Fernanda Rappa/Divulgação)
Pequenas comunidades de até 300 agricultores na Paraíba estão
sobrevivendo durante a seca graças às 'Sementes da Paixão', nome dado
aos grãos resistentes de milho, feijão e outros alimentos que germinam
mesmo durante a pior estiagem dos últimos 40 anos na região. São 6,5 mil
famílias rurais em 61 municípios no Agreste, Cariri e Sertão do estado
que mantêm, há décadas, esta prática, sendo nos últimos anos auxiliadas
por organizações não-governamentais e associações de apoio ao
desenvolvimento da agricultura local.A relação dos agricultores paraibanos com o meio ambiente levou a fotógrafa paulista Fernanda Rappa a pesquisar o tema através de um projeto contemplado pelo Prêmio Brasil de Fotografia. "Eu soube das Sementes da Paixão através de amigos que documentaram isso para o Rio+20. Comecei a pesquisar a história porque achei genial que, no meio da Paraíba, existisse uma consciência ambiental protegendo as comunidades das sementes transgênicas que são super prejudiciais ao mundo, ao meu ver. É um modelo a ser seguido e é bonito demais de ver no meio daquela seca, do deserto, uma plantação de coentro verdinha. Parece um sonho", explica.
Banco de 'Sementes da Paixão' em Desterro
(Foto: Fernanda Rappa/Divulgação)
Durante o mês de março deste ano, o projeto fotográfico foi
desenvolvido através da construção de uma câmara escura no meio da
plantação, para registrar o ciclo das plantações. "A ideia era que,
através da imagem formada dentro da câmara escura, as pessoas das
comunidades pudessem ter outra experiência visual com algo que para eles
é tão corriqueiro. E dessa forma, exaltar a importância do trabalho que
eles vêm desenvolvendo há anos", relatou Fernanda.(Foto: Fernanda Rappa/Divulgação)
Produtores rurais e os técnicos que auxiliam os agricultores paraibanos na manutenção das sementes explicam que estes grãos são selecionados naturalmente ao longo de várias décadas, sem nenhum tipo de modificação genética, devido à sua capacidade de adaptação ao clima do semiárido nordestino. São estas as poucas variações que conseguem sobreviver às secas históricas que atingem a Paraíba e, mais recentemente, à estiagem de 2013.
Antônio Salviano, 62 anos, conhecido como Seu Dodô, é um dos mantenedores da tradição de guardar grãos na zona rural de Desterro, no Cariri, a 289 km de João Pessoa. Ele foi o responsável por dar o nome 'Sementes da Paixão' às variedades locais. "É uma coisa de família, meu bisavô já guardava as sementes. A gente trabalha em comunidade, então sempre que alguém por aqui precisa a gente ajuda e depois repõe", conta o agricultor. No sítio em que ele e outras cerca de 20 famílias moram, foram plantados com sucesso milho, alface e coentro destas sementes.
Milho das Sementes da Paixão
(Foto: Fernanda Rappa/Divulgação)
Na zona rural de Queimadas,
no Agreste, a 155 km da capital, a comunidade local conseguiu plantar
milho, feijão e variedades de fava branca. Todos os alimentos são
provenientes dos grãos guardados das chamadas 'Sementes da Paixão'.(Foto: Fernanda Rappa/Divulgação)
O agricultor José Batista, 50, é uma das lideranças locais e com apoio de familiares e moradores, conseguiu produzir mesmo com a seca no semi-árido. "Aqui na região 'deu' muito milho e fava. Não tivemos problema nenhum com os grãos que a gente guarda, mas os que o governo manda a gente nem usa, porque sabe que não dá", ressaltou.
O desafio de uma seca histórica
De acordo com a AS-PTA, em 2013 a Paraíba enfrentou a pior seca das últimas quatro décadas. Para isso, a entidade investe em capacitação das comunidades. "A gente auxilia o trabalho deles, tenta explicar um pouco melhor sobre as técnicas de guardar os grãos e oferece apoio ao pequeno agricultor. As variações que eles guardam são resistentes a esta temperatura, diferentemente dos grãos que os órgãos estaduais e federais fornecem e que, para o plantio nas terras deles, não servem", disse o técnico Emanoel Dias.
Segundo a direção da Conab, houve duas tentativas de contato com os agricultores que produzem as 'Sementes da Paixão', mas não foi possível realizar um trabalho conjunto. "Em outubro de 2013 marcamos duas reuniões com eles, com a proposta de recompor o estoque deles do banco de sementes. A gente tem a proposta de comprar e doar as sementes para eles, porque estavam apenas com 40% do banco em estoque. Temos tudo para ajudar, conversamos e continuamos abertos a ajudar a compor os estoques", explicou o superintendente da Conab, Gustavo Guimarães.
A previsão climática para 2014 também não é animadora. As chuvas no semi-árido paraibano devem superar a estiagem do ano passado e igualar a média histórica, mas durante os próximos meses, até o início do segundo semestre vão continuar irregulares e mal distribuídas, prevê a Agência Executiva de Gestão das Águas (Aesa).
Seu Dodô mostra milho do banco de sementes em Desterro, na PB (Foto: Fernanda Rappa/Divulgação)
Mário Luiz (Carioca) com G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário