Para
Algumas pessoas, o funk é um fenômeno artificial importado que não representa
de fato a brasilidade.
Palavras
fortes. Caso alguém ainda esteja esperando, adianto que algumas pessoas parece
ter se esquecido de dizer por que nada disso pode ser cultura.
Cultura não é só aquilo de que gostamos. Cultura engloba toda uma gama
de experiências sociais – algumas delas nós não estamos preparados para
aceitar.
O mérito
da qualidade cultural do funk nem entra aqui em questão. É fato que o
funk é representação cultural, gostem ou não eu.
É
desconcertante ver pessoas que deveriam possuir um pouco mais de sensibilidade
cultural se curvarem a nacionalismos culturais toscos. Se o samba é expressão
de brasilidade, o Nordeste e o Norte não devem ser muito Brasil, já que nestes
lugares é gênero musical relativamente menor.
Quando se
procura desenhar o panorama da formação cultural do Brasil, palavras como
“diversidade” e “miscigenação” são frequentemente usadas para retratar a ampla
confluência de etnias, credos e infindáveis culturas que acompanhou a ocupação
do território nacional por indígenas, portugueses, africanos e milhões de
imigrantes de toda parte do mundo. O samba nasceu de uma dessas misturas, no
início do século XX, oriundo de diversas manifestações culturais africanas que
os escravos trouxeram consigo ao Rio de Janeiro.
Abraçar o
argumento da diversidade sem analisar a fundo nosso cenário cultural,
entretanto, é um equívoco. Gêneros musicais que, como o samba há mais de cem
anos, disseminam-se entre as classes menos abastadas são envoltos em um
preconceito social – embasado em questões morais – que, por vezes, nada tem a
ver com qualidade ou prestígio.
Neste
panorama, o funk e o tecnobrega hoje despontam como vanguardas musicais no
exterior enquanto lutam para ser aceitos no Brasil.
O baile todo
Dos
morros de onde o samba começou a reverberar, palavra muito usada pelo meu amigo
Caco Pereira, hoje se ouve o funk, o pagode e os “ritmos de ostentação”. Ao
longo de um território brasileiro muito mais descentralizado econômica e
culturalmente, porém, regiões outrora “isoladas” servem de berço para as novas
vanguardas.
Mistura
de ritmos locais como o caribó e o calypso com a temática “brega”, o tecnobrega
nasceu no Pará e se espalhou país afora ao longo da década de 2000. Hoje
despontando no mainstream com expoentes como Gaby Amarantos e o grupo
Gang do Eletro, o ritmo já emplacou música-tema
de novela, colecionou honrarias nacionais e internacionais (como uma
indicação de Amarantos ao Grammy Latino) e ganha espaço em programações de
festivais estrangeiros, como o “caçador de talentos” South by Southwest,
realizado anualmente em Austin, no estado norte-americano do Texas.
Por
situação parecida passou o funk carioca, há cerca de dez anos. Totalmente distinto
do ritmo homônimo surgido nos Estados Unidos em meados dos anos 60, misturando
ritmos como jazz, soul e rhythm and blues e tendo em James
Brown seu principal símbolo, o popular “pancadão” das favelas foi herdeiro do miami
bass e adequou a seu repertório elementos de freestyle,
tornando-se conhecido internacionalmente, para efeitos de diferenciação, como
“baile funk”. Mais sobre a história deste gênero pode ser conferida em outra reportagem da JPress, publicada em outubro
de 2012
Aceitação
que esses ritmos encontram, muitas vezes, mais facilmente no exterior do que em
território nacional não são indícios de particularidade do preconceito
tupiniquim, que “é igual aos tantos outros preconceitos que o ser humano tem,
independente se brasileiro ou não”.
A
rejeição causada pelas produções simples e letras superficiais – como no
emergente “funk ostentação” – é colocada como questão de gosto, e, como diz a
máxima, este “não se discute”.
No
entanto, enquanto as iniciativas supracitadas buscam acabar com a segregação de
gêneros em “cultura” e “subcultura” e despertar interesse do público mais
“elitizado” para sons abnegados, as novas vanguardas caminham com as próprias
pernas.
Ainda
sobre o funk e o tecnobrega, digo a vocês, denota suas características em
comum: “não dependem da aprovação de qualquer elite, financeira ou intelectual,
para acontecer. São auto-sustentáveis: vivem perfeitamente dentro do seu gueto
e ainda têm força para conquistar novos públicos, apesar de todo esse
preconceito”.
Funk é cultura, goste você
ou não
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