O
modelo de convenção de condomínio elaborado para orientar os
beneficiados pelo programa “Minha casa, minha vida”, disponível no site
da Caixa Econômica, apregoa que o conjunto não deve ser usado “para fins
incompatíveis com a decência e o sossego ou permitir a sua utilização
por pessoa de maus costumes, passíveis de repreensão penal ou policial”.
O documento, porém, não prevê uma norma básica: em pelo menos 14 dos 64
conjuntos de faixa 1 — destinada a famílias mais pobres — na cidade do
Rio, quem dita as regras de convivência e até convoca reuniões de
condomínio é o tráfico ou a milícia. No terceiro capítulo da série
“Minha casa, minha sina”, o EXTRA revela a história de moradores
obrigados a seguir à risca a cartilha do crime.
Nos residenciais Zé Kéti e Ismael Silva, no Estácio — inaugurados pela presidente Dilma Rousseff em junho de 2014 — a primeira reunião de condomínio foi convocada por traficantes do Morro de São Carlos, onde há uma UPP desde maio de 2011. Insatisfeitos com a cobrança da taxa de manutenção no valor de R$ 66 e com o consumo de drogas no condomínio, moradores oriundos da comunidade, localizada atrás dos prédios, subiram a favela para reclamar. Não com a PM, mas com o gerente de uma boca de fumo.
No
domingo seguinte, às 10h, mais de 60 condôminos se reuniram no salão de
festas do Zé Kéti para ouvir o discurso de um grupo de cinco
traficantes, alguns armados com pistolas. Com um microfone na mão, o
chefe do grupo — um negro alto, desarmado, vestindo chinelo, bermuda e
camiseta — informou aos presentes que a cobrança era justa e que o
dinheiro seria investido na “manutenção do condomínio”. Ao fim da
reunião, também ficou acordado que não seria tolerado o uso de drogas
dentro do conjunto.
— A maioria das pessoas daqui confia mais no tráfico do que no poder público. Tanto que até brigas entre vizinhos são resolvidas pelo “carro da carne”, uma Kombi que leva os moradores ao alto da favela, para conversar com os bandidos — conta José*, um ex-agente de segurança que participou da reunião.
À noite, a praça em frente aos conjuntos é ponto de uso de drogas, inclusive crack. Como o bando do São Carlos não vende o entorpecente, moradores foram abordados por bandidos querendo saber a origem da droga.
Ontem, os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Cidades, Gilberto Kassab, a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, e o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, se reuniram em Brasília com representantes da Caixa Econômica para avaliar as ações de segurança referentes ao “Minha casa, minha vida”. Também foi discutido o papel dos órgãos diante do que vem sendo identificado nas investigações.
‘Minha casa, minha sina’
Após três meses de apuração, o EXTRA constatou que todos, absolutamente todos, os 64 condomínios do “Minha casa, minha vida” destinados aos beneficiários mais pobres — a chamada faixa 1 de financiamento — no município do Rio são alvo da ação de grupos criminosos. Neles, moram 18.834 famílias submetidas a situações como expulsões, reuniões de condomínio feitas por bandidos, bocas de fumo em apartamentos, interferência do tráfico no sorteio dos novos moradores, espancamentos e homicídios.
Mais de 200 pessoas foram ouvidas, entre moradores, síndicos, policiais civis e militares, promotores, funcionários públicos e terceirizados, pesquisadores e autoridades. Além disso, foram analisados documentos da Polícia Civil, do Ministério Público, da Secretaria de Habitação, do Disque-Denúncia, da Caixa Econômica e do Ministério das Cidades, parte deles obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. O material deu origem à série “Minha casa, minha sina”.
* Todos os nomes utilizados na série são fictícios.
Nos residenciais Zé Kéti e Ismael Silva, no Estácio — inaugurados pela presidente Dilma Rousseff em junho de 2014 — a primeira reunião de condomínio foi convocada por traficantes do Morro de São Carlos, onde há uma UPP desde maio de 2011. Insatisfeitos com a cobrança da taxa de manutenção no valor de R$ 66 e com o consumo de drogas no condomínio, moradores oriundos da comunidade, localizada atrás dos prédios, subiram a favela para reclamar. Não com a PM, mas com o gerente de uma boca de fumo.
— A maioria das pessoas daqui confia mais no tráfico do que no poder público. Tanto que até brigas entre vizinhos são resolvidas pelo “carro da carne”, uma Kombi que leva os moradores ao alto da favela, para conversar com os bandidos — conta José*, um ex-agente de segurança que participou da reunião.
À noite, a praça em frente aos conjuntos é ponto de uso de drogas, inclusive crack. Como o bando do São Carlos não vende o entorpecente, moradores foram abordados por bandidos querendo saber a origem da droga.
Ontem, os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Cidades, Gilberto Kassab, a secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, e o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, se reuniram em Brasília com representantes da Caixa Econômica para avaliar as ações de segurança referentes ao “Minha casa, minha vida”. Também foi discutido o papel dos órgãos diante do que vem sendo identificado nas investigações.
‘Minha casa, minha sina’
Após três meses de apuração, o EXTRA constatou que todos, absolutamente todos, os 64 condomínios do “Minha casa, minha vida” destinados aos beneficiários mais pobres — a chamada faixa 1 de financiamento — no município do Rio são alvo da ação de grupos criminosos. Neles, moram 18.834 famílias submetidas a situações como expulsões, reuniões de condomínio feitas por bandidos, bocas de fumo em apartamentos, interferência do tráfico no sorteio dos novos moradores, espancamentos e homicídios.
Mais de 200 pessoas foram ouvidas, entre moradores, síndicos, policiais civis e militares, promotores, funcionários públicos e terceirizados, pesquisadores e autoridades. Além disso, foram analisados documentos da Polícia Civil, do Ministério Público, da Secretaria de Habitação, do Disque-Denúncia, da Caixa Econômica e do Ministério das Cidades, parte deles obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. O material deu origem à série “Minha casa, minha sina”.
* Todos os nomes utilizados na série são fictícios.
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