segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Projeto polêmico, Transamazônica faz 40 anos sem nunca ter sido concluída

Projeto polêmico, Transamazônica faz 40 anos sem nunca ter sido concluída
Em frente ao porto da cidade de Cabedelo, na Paraíba, uma placa sinaliza o marco zero da Transamazônica, um dos projetos mais polêmicos do Brasil. A BR-230 fez parte do programa de integração nacional do governo militar, cuja intenção era levar nordestinos a ocupar áreas pouco povoadas da região Norte.
Era o início da década de 70, época em que ambientalistas eram raros e não se questionava a derrubada de milhões de árvores. Só que não houve um estudo de viabilidade econômica e a maioria dos colonos acabou desistindo de se fixar na Amazônia. "Agricultura e distribuição de terra sem infraestrutura em termos de saúde, educação, transporte, segurança e créditos acessíveis não funciona. Dos primeiros colonizadores, apenas 15% ficaram", aponta o bispo do Xingu, Erwin Krautler.
Pelo projeto original, a estrada se estenderia por oito mil quilômetros e ligaria o Atlântico ao Pacífico, atravessando toda a América do Sul de leste a oeste. O plano foi modificado para um projeto que chegaria apenas até a fronteira do Brasil com o Peru, mas as obras pararam bem antes. Mesmo assim, com 4.223 quilômetros de extensão, a Transamazônica é uma das maiores rodovias do mundo. Ela atravessa sete estados (Paraíba, Ceará, Maranhão, Tocantins, Piauí, Pará eAmazonas), corta 63 municípios e passa por três ecossistemas.
Programas de governo nos anos 60 e 70 incentivaram uma sangria sem limites da natureza. "A ideia de inserir a Amazônia no contexto nacional acabou nos transformando apenas em um enorme almoxarifado, de onde tudo se tira e nada se repõe", diz o jornalista e escritor Ademir Braz. Hoje, com as novas regras, alguns setores se tornaram insustentáveis, como a das siderúrgicas que produziam ferro gusa.
Das dez indústrias do polo industrial de Marabá(PA), nove fecharam as portas nos últimos anos. O Ibama diz que as fábricas não se adaptaram à legislação ambiental e continuavam a queimar carvão ilegal para produzir ferro gusa. Na última operação, em 2011, foram aplicadas multas que chegaram a R$ 200 milhões. As fábricas acabaram fechando e seis mil pessoas perderam o emprego.
Em longos trechos da Transamazônica, não há sinal de asfalto, meio-fio ou sinalização. A estrada é perigosa. Em trechos sem asfalto, o movimento de caminhões faz surgir uma cortina de poeira. Mesmo com o céu claro, a visibilidade para o motorista é igual a um dia com neblina. Só nos últimos cinco anos, ocorreram mais de 15 mil acidentes na BR-230. Mais de 500 pessoas morreram.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 20 pessoas foram assassinadas nos últimos oito anos por conflitos agrários. Em 2005, a missionária Dorothy Stang, que ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores da Transamazônica, foi morta com seis tiros por defender o uso sustentável da floresta. Os mandantes do crime ainda estão soltos. "A impunidade na Amazônia mata e desmata", afirma Amaro Lopes de Souza, pároco da igreja de Santa Luzia. Ele trabalhava com Dorothy e também é um homem ameaçado.
Polêmica de Belo Monte
A região amazônica também é palco de um projeto polêmico, a hidrelétrica de Belo Monte. Quando estiver em pleno funcionamento, em 2019, ela será a maior do Brasil, com 18 turbinas e geração de 11 mil megawatts de energia. Segundo os administradores, o projeto original foi adaptado para causar o menor impacto ambiental possível no rio Xingu, que será em parte desviado.
Existe também o compromisso de medidas compensatórias, como saneamento básico em bairros pobres de Altamira (PA). Mas, para críticos do projeto, é tarde demais. Por causa das obras, a cidade inchou 30% em apenas dois anos e já faltam casas, escolas e hospitais. Na opinião do bispo do Xingu, é mais um projeto desastroso para a região. "Altamira não teve condição de assumir a responsabilidade por milhares de pessoas que apareceram de um dia para o outro", diz Krautler.
A Transamazônica, a rodovia que foi inaugurada, mas jamais foi concluída, termina às margens do rio Purus. Já são 40 anos de sonhos, esperança, promessas, polêmicas e muitas dúvidas: progresso ou equívoco? A estrada segue cheia de desafios, como a vida de quem ainda acredita nela.

Mário Luiz (Carioca) com Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...